Corresponsabilidade da mídia no combate à violência
Quanto mais eu ouço no noticiário que o crime compensa, que matar não traz consequências, que os roubos e furtos ficam impunes e que a violência doméstica e familiar só tem aumentado, mais eu me questiono sobre o papel da mídia na sociedade.
Entendo a comunicação como um instrumento de desenvolvimento social e dedico meus dias a mostrar que não existem crimes impunes. O que não vejo são os noticiários dizerem que existem consequências para todos os atos de infração e que os atores do combate à violência cumprem seu papel sem, no entanto, agredir o direito constitucional do cidadão, respeitando-se a premissa de que não existe culpado até o transitado em julgado de sentença penal condenatória.
Direitos humanos são conquistas e, embora a vida contemporânea seja imediatista, o processo judicial segue um rito, por segurança jurídica, além de garantir a todo cidadão o direito à ampla defesa. Melhorias são implementadas constantemente nos procedimentos para tornar o efetivo cumprimento da lei mais imediato, como é o caso das audiências de custódia ou até mesmo que os juizados no combate ao crime de menor monta, garantindo, assim, a justiça presente. A fiança, a pena alternativa, a tornozeleira, o semiaberto e outros métodos de punição têm sua eficiência nesse processo de reeducação para a vida em sociedade.
Nesse contexto é que entendo que o papel da mídia deveria ser mais responsável e demonstrar com clareza que não há crime impune. Todos têm seus papéis nesse cenário, Legislativo, Executivo e Judiciário, mas isso não isenta nem torna a mídia livre da responsabilidade que lhe cabe, de trabalhar a informação de forma a aprimorar a sociedade, e não ser apenas arauto da mazela do povo. Tudo precisa ser mostrado, mas as complicações dos atos ilícitos e tudo que se tem feito nesse combate precisa ganhar destaque na mesma proporção.
Por mera observação, sem levantamento estatístico e sem estudo de personalidade, é possível afirmar que muitos homicídios, inclusive no âmbito da violência doméstica, ocorrem devido à clara ideia de que o crime compensa, de que a impunidade impera.
Um estudo realizado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), ainda em 2013, já apontava que 83% dos homicídios solucionados em São Paulo-SP e 85%, em Campo Grande-MS foram cometidos por motivos fúteis e certamente poderiam ter sido evitados, principalmente se a sensação de impunidade não fosse tão presente na sociedade brasileira.
Na minha opinião, a pesquisa continua atual e tenho certeza de que, se o cidadão comum, que resolve se armar com um martelo em uma bolsa, marcar um encontro com uma ex-companheira com a intenção de lhe tirar a vida, não tivesse certeza da impunidade, não jogaria todo o seu futuro no lixo por um momento de desequilíbrio.
A maior parte dos latrocínios tem esse desfecho porque, ao puxar o gatilho, o meliante julga a polícia incompetente, o Judiciário ineficiente e as leis muito brandas, graças às dezenas de informações que o jornalismo lhe entrega todos os dias. Mas eu solicito a você que está lendo este artigo, aponte quais os casos sem solução ou impunes que você conhece? Pode até ser que a punição não tenha sido a que você julgasse ideal ou que esta não tenha acontecido no tempo que você considerasse justo, mas isso já é outra discussão.
Para ilustrar o que discuto neste texto sobre o papel da comunicação na questão da segurança pública, do bem-estar e da mudança da cultura da violência, lembro que existe uma convenção profissional extraoficial no jornalismo que determina que os suicídios não deveriam ser noticiados. A origem dessa convenção justifica-se no livro “Os sofrimentos do jovem Werther”, de 1774, que se tornou uma espécie de incentivo para o suicídio e contagiou muitas pessoas.
O tabu está superado, a informação hoje está ao alcance de todos e é preciso falar e debater o problema. Não podemos ignorar, entretanto, que determinados locais, como pontes, viadutos e métodos espetaculares de suicídio viram points e epidemias. Então, é importante destacar que esse assunto precisa ser tratado com cautela. Eis a questão! Precisamos discutir o suicídio, o crime, a corrupção, a violência doméstica, e não apenas divulgar informações superficiais e irresponsáveis.
O fato de transformar história em espetáculo, personagens em celebridades do mal e até organizações criminosas em modelo de gestão e competência, elevando a hierarquia do crime como algo digno de aplausos, já comprova que vivemos um momento que precisa ser repensado na comunicação. Será que a audiência dos canais de comunicação deve mesmo se contrapor ao bem-estar e à segurança da sociedade?
Somos fascinados por séries e filmes norte-americanos que mostram o quanto a atuação de seu corpo policial e investigativo é eficiente, mas nos esquecemos dos nossos heróis brasileiros, porque quase tudo o que vemos na mídia depõe contra o trabalho árduo e eficiente desses profissionais.
Hora de virar essa página! Levantemos uma bandeira pela responsabilidade da comunicação no que diz respeito à mudança dessa cultura da sensação da impunidade. Que nosso jornalismo cumpra o papel de promover a mudança cultural, de diminuir a sensação de impunidade e de demonstrar efetivamente que não há crime sem consequências e punição, assim como é de fato.
Ainda que não salvemos todos e que não consigamos mudar o mundo hoje, se evitarmos a morte de uma pessoa que seja, com um jornalismo mais comprometido com a responsabilidade social que desempenha, já seremos vitoriosos.
Publicado em Revista Empenhadas – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MATO GROSSO DO SUL – COORDENADORIA ESTADUAL DA MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR – EDIÇÃO 03 – ANO II – MAIO 2019